sábado, 24 de janeiro de 2009

Improvisar no teatro, na vida e no trabalho

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1. “Aqui há Dragões”
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Se quiser fazer rir Deus, conte-Lhe os seus planos.

Woody Allen


“Aqui há Dragões” era a expressão que os cartógrafos antigos usavam para designar os locais desconhecidos, ainda não explorados por navegadores.

É interessante verificar que o desconhecido sempre acarretou consigo sentimentos de medo, desconfiança e resistência. Por isso, tentamos planear tudo ao pormenor, antes de avançarmos com a execução de qualquer projecto, pessoal ou profissional, com a ilusão de que podemos, de alguma forma, limitar a realidade a esses planos.

John Lennon disse que ‘a vida é o que acontece enquanto estamos ocupados a fazer outros planos’, e de facto, é espantoso como tendemos a estar tão obcecados com a nossa planificação, que nos esquecemos de observar a realidade para tirar proveito das oportunidade imprevistas que surgem a cada instante.

Estamos no início de 2009 e o discurso da crise instalou-se de uma forma quase doentia nos discursos de algumas lideranças e dos mass media; todos parecem abalados por não poderem cumprir os seus “planos”, desenhados antes desta fase. É exactamente em momentos como este que a arte da improvisação é útil. Serão os improvisadores aqueles que mais vão ganhar nesta situação de crise, porque são aqueles que estão mais atentos à realidade, prontos a responder com flexibilidade e imaginação, em vez de se queixarem e de se fecharem nos seus medos de arriscar.

2. Atirar-se do abismo e ganhar asas

No meio da dificuldade encontra-se a oportunidade.

Albert Einstein


Face ao imprevisto e à necessidade de mudança temos três opções: bloquear e não fazer nada; sair o mais rapidamente da situação, conformados e desenrascados o melhor possível; ou improvisar, isto é, reagir de uma forma activa e criativa.

No fascinante mundo do teatro de improvisação, improvisar não é reagir de qualquer forma, mas sim encontrar soluções criativas face ao imprevisto. Significa estar preparado e predisposto para o imprevisto, criar a partir dele.

Quando comecei a fazer cursos nesta área, apercebi-me da surpreendente quantidade de insights que o mundo do teatro improvisado tem para dar ao mundo da criatividade, da gestão das emoções, da comunicação, enfim, do comportamento em situações de mudança. A certa altura, depois de muitas improvisações em palco, começamo-nos a aperceber de que não adianta querer planificar demasiado a cena porque não podemos antecipar a forma como o nosso colega de cena ou o público vão reagir. E passamos a estar mais preocupados em estar atentos e focados na situação do que nos nossos pensamentos, habitualmente mais banais e desligados da realidade e da equipa.

As melhores coisas que fiz nesse contexto foram aquelas em que improvisei de facto, e não aquelas em que agi de acordo com as receitas “pré-cozinhadas” na cabeça, aplicadas por medo de entrar em cena “sem nada”, mas que perdiam toda a espontaneidade e frescura no palco.

No entanto, não se pense que a improvisação não se treina; pelo contrário, os actores estão constantemente a treinar as competências necessárias para o improviso, improvisando.

No seu livro Blink, Malcolm Gladwell, ajuda-nos: ‘A improvisação no teatro é um maravilhoso exemplo do tipo de pensamento que tratamos em Blink. Refere-se a pessoas que tomam decisões sofisticadas ao sabor do momento, sem a vantagem de qualquer tipo de guião ou de enredo. É isso que a torna tão atraente e, para ser franco, tão aterradora. O que é aterrador na improvisação é o facto de parecer extremamente aleatória e caótica. Parece que as pessoas têm de chegar ao palco e inventar tudo ali mesmo. Mas a verdade é que a improvisação não é nada aleatória nem caótica. Um elenco de improvisadores encontra-se regularmente para ensaiar durante horas. Depois de cada espectáculo, reúnem-se e criticam o desempenho de cada um, com toda a seriedade. Porque é que praticam tanto? Porque a improvisação é uma forma de arte definida por uma série de regras, e eles querem ter a certeza de que todos obedecem a essas regras quando estão no palco. A espontaneidade não é aleatória.

Há tempos, estava a frequentar um seminário de criatividade orientado pelo Instituto de Formação da Walt Disney (Florida – EUA) em Lisboa, quando questionei um dos colaboradores sobre o facto de, no quotidiano dos seus parques de diversões, tudo me parecer estar demasiado planeado e programado ao segundo. Preocupava-me como fariam em situações imprevistas, em que tivessem de improvisar. A resposta foi interessante: "na formação nós treinamos formas de reagir a centenas de hipóteses imprevistas. A maioria nunca acontece, mas estamos preparados para improvisar". Como vê improvisar, treina-se.

Como dizemos no teatro, improvisar é sermos capazes de nos atirarmos do abismo e acreditar que durante a queda vão nascer asas. Se acreditarmos, elas vão nascer naturalmente e a queda transformar-se-á num voo, sempre diferente, sempre surpreendente.


3. A Necessidade de Segurança

Quem nunca perdeu um avião passou já
demasiado tempo nas salas de espera dos aeroportos.

Herbert Griersch


O maior obstáculo à improvisação é a necessidade de segurança e estabilidade. Improvisar implica arriscar e arriscar pode implicar perder o status adquirido.

Cada perigo desconhecido, por mais reduzido que seja, é habitualmente um motivo para preocupações. As próprias reacções do corpo mostram até que ponto a insegurança nos afecta. O não saber o que aí vem provoca uma reacção de stress: o ritmo cardíaco acelera, a respiração torna-se mais rápida, as glândulas de suor abrem-se, hormonas como a adrenalina e o cortisol entram na circulação sanguínea. Essa é uma das razões por que saber respirar correctamente é fundamental para estar focado e é um exercício habitual nos meus cursos.

A reacção face ao desconhecido depende sempre de características genéticas, da aprendizagem de lidar com o risco e do contexto. É interessante verificar, por exemplo, que estamos muito mais abertos ao imprevisto quando estamos de férias do que no dia-a-dia. Aquilo que pode ser uma maçada tremenda durante o ano transforma-se numa experiência excitante no período de férias, porque a percepção comum de trabalho e de responsabilidade implica a crença da necessidade de controlo total dos processos e acontecimentos o que, na sua impossibilidade, faz aumentar os níveis de stress.

Como refere Stefan Klein no extraordinário ensaio Como o acaso comanda as nossas vidas: ‘O receio perante tudo o que é incerto, com o qual a Evolução nos equipou, explica os duvidosos compromissos que as pessoas, dia após dia, não se cansam de assumir. Assim, muitos continuam a viver com parceiros que não amam, só pelo medo de não virem a encontrar um novo, ou uma nova companheira. Outros mantém-se durante décadas num emprego que não os satisfaz, sem sequer ter experimentado, pelo menos uma vez, responder a um anúncio para um outro.

E isso nem sequer são as maiores perdas que o medo programado nos pode infligir. Se esse medo toma conta de nós, passamos a viver num stress constante. E se um organismo estiver demasiado tempo, ou com demasiada frequência, sob o efeito de hormonas de stress, estas acabam por enfraquecer o sistema imunitário, prejudicar o cérebro e fomentar o surgimento de doenças de foro cardiovascular, as mais frequentes causas de morte nos países industrializados’.

A melhor forma de enfrentar esta tendência natural para a segurança é treinar progressivamente o improviso. O excesso de cuidados começa a desenvolver uma vida própria que cria dependência; por isso devemos de treinar o nosso relacionamento com os riscos. “Basta”, quando perceber que o planificado não está a ter os melhores resultados, improvisar, eventualmente errar, e aprender com isso.

4. Sim e...

Eu não procuro, encontro!

Pablo Picasso


Estreou recentemente nas salas de cinema uma comédia chamada, no original, “Yes Man” protagonizada pelo actor Jim Carrey. A sua personagem começa por ser um anti-improvisador nato, habituado a dizer que não a qualquer proposta diferente que lhe seja feita e o retire da sua defensiva segurança emocional. Em resultado disso, vive uma vida monótona e entediante até ao dia em que, estimulado por um guru, decide fazer um pacto consigo mesmo e passar a dizer que sim às propostas dos outros e da realidade. Em resultado disso, a sua vida muda... para melhor, porque ficou aberto a muito mais possibilidades, conheceu pessoas e influenciou vidas, e para pior, porque passou a dizer sim indiscriminadamente, mesmo sem o querer efectivamente. No final do filme, o protagonista percebe a importância de dizer sim, e de o fazer de forma congruente, isto é, pensada, sentida e virada para a acção.

Na vida tendemos a bloquear os impulsos (para ter tempo, para dar uma resposta mais segura e aceitável, mais lógica e correcta, por insegurança, etc.), no teatro de improvisação perante uma proposta de um colega actor, podemos responder aceitando, bloqueando ou rejeitando: “sim e...”, “sim mas...”, “não”.

Dizer “não” é bloquear. “Sim, mas...” atrasa a acção. “Sim e...” aceitamos e fazemos avançar a acção. O bom improvisador entra na proposta e abre novas vias. Para isso, deve ter uma observação e escuta total. Note-se que isto não implica a ausência de conflitos, o improvisador pode não estar de acordo com o que se passa, mas avança imediatamente com a proposta de algumas soluções construtivas, em vez de bloquear a cena só porque não lhe agrada. Creio que precisamos de mais improvisadores nas nossas organizações.

Provavelmente já esteve em reuniões em que, por simpatia ou mera manipulação, os intervenientes não dizem “não”; em seu lugar dizem “sim mas...” em resposta a alguma ideia nova lançada para a mesa. Neste contexto, este “sim, mas...” é muito perigoso, porque na verdade pode ser um “não” escondido e, pior do que tudo, cansa toda a gente e atrasa a acção numa demorada argumentação, quando o que mais se precisa nas reuniões de criatividade é de intervenções construtivas. Por isso, é fundamental, quando se estiverem a gerar ideias que todas as intervenções comecem pela expressão “Sim e...”. É esta a expressão da improvisação na vida pessoal e no trabalho. Dizer que sim ao que sentimos, à dádiva que a realidade e os outros nos oferecem e contribuir com a nossa parte.

No entanto, para não acontecer o mesmo que ao protagonista do filme “Yes Man”, o nosso “sim” dever ser sentido e a acção subsequente ser feita com prazer. Isto é, tão importante quanto aceitar, é a verdade e a genuinidade do “sim”. Em cena, se duvidamos estamos perdidos, temos de tomar decisões e avançar – se o fizermos com prazer corre sempre melhor. A chave para o prazer está em descobrir que improvisar é jogar a ser outras coisas e é surpreender-se por estar vivo e entusiasmado. Como perguntou Picasso: ‘Se sabemos exactamente o que vamos fazer, para quê fazê-lo?’.

É claro que não lhe proponho que improvise sempre, existem situações que merecem uma pausada ponderação lógica. Contudo, se quiser inovar e fazer a diferença, o caminho começa na criatividade, que só pode nascer da improvisação.

Quando achar que é melhor não improvisar, esteja atento às ponderações lógicas que habitualmente faz, principalmente se tende a antecipar e interpretar a realidade em vez de esperar para ver e viver; é que os nossos preconceitos podem trazer grandes prejuízos a longo prazo.

Diz Stefan Klein, no livro citado: ‘Vale a pena organizar a nossa vida de modo a conceder mais espaço ao acaso. O que mais nos impede de o fazer é, frequentemente, para além do receio perante o desconhecido, a caça ao proveito mais evidente: não queremos esbanjar tempo e energia com pessoas e coisas das quais pouco esperamos. Naturalmente faz todo o sentido que não dispersemos, mas quem exagerar na sua tentativa de maximizar a eficiência desaproveita inúmeras oportunidades. Facilmente nos esquecemos de que apenas podemos calcular o valor daquilo que já conhecemos. Quem considera desinteressante uma experiência que nunca fez ou uma pessoa que pouco conhece pode ter razão...ou não’.

Às vezes pequenas portas dão para grandes salas...

5. Aqui e Agora

Nothing is the space for everything.

Edward De Bono


Para poder dar, há que receber. É a primeira e principal regra do bom improvisador no teatro. Improvisar é escutar e tomar decisões. Escutar-se a si mesmo, as suas ideias, o seu imaginário, o seu corpo no espaço, as suas sensações e emoções. E escutar o que o rodeia, os seus colegas, o ambiente, o mercado, o público, enfim, tudo o que for relevante para tomar decisões de forma espontânea e criativa. É uma escuta sempre pessoal e sensível, alerta e disponível. É o corpo que escuta e sente. Improvisar treina a abertura ao “Aqui e Agora”.

O que nos provoca ansiedade é a tendência para viver ou no passado ou no futuro, o que significa viver presos no pensamento já que é apenas aí que estes tempos existem. Na realidade só podemos intervir e agir sobre o presente.

Diz Jay Dixit na revista Psychology Today: 'A vida oferece-nos o presente, mas, frequentemente, deixamos o presente deslizar-nos entre os dedos, permitindo ao tempo que passe depressa, sem o observarmos nem fruirmos, desperdiçando os preciosos segundos da nossa vida a preocuparmo-nos com o futuro e a ruminarmos o passado.

Quando estamos a trabalhar, fantasiamos sobre estar de férias; quando estamos de férias, angustiamo-nos com o trabalho que poderá estar a cair em cima da nossa secretária. Estamos sempre a lutar contra as intrusivas memórias do passado ou a preocupar-nos com o que pode ou não acontecer no futuro’.

A maior parte de nós não controla os pensamentos que nos surgem; frequentemente são os pensamentos que nos controlam a nós. Para conseguirmos um maior controlo das nossas mentes e das nossas vidas, precisamos de entrar num estado de viver mais o momento presente, conhecido no meio da psicologia positiva como mindfulness ou seja atenção plena. É um estado de atenção activa, aberta, intencional ao presente.

Repare que não estou a propor que não tenha objectivos para o futuro. É fundamental que tenha uma visão daquilo que quer alcançar nas várias áreas da vida, entendendo visão, como uma imagem forte e mobilizadora das suas energias para alcançar o que deseja. O que lhe proponho é que, sem perder essa visão, esteja totalmente concentrado nas possibilidades que o “Aqui e Agora” lhe traz para atingir essa visão ou até mesmo para a melhorar.

No teatro de improvisação, assim como na meditação, quando conseguimos dominar a atenção plena percebemos que não somos apenas os nossos pensamentos: tornamo-nos até observadores dos nossos próprios pensamentos, sem os julgarmos.

Cultivar uma consciência do presente sem preconceitos ou juízos de valor traz-nos uma série de benefícios, de acordo com os investigadores. A atenção plena pode ajudar-nos a reduzir o stress, a melhorar o funcionamento do sistema imunitário e a diminuir a tensão arterial. As pessoas que põem em prática este estado de atenção plena são mais felizes, mais exuberantes, mais empáticas e mais autoconfiantes, revelam altos níveis de auto-estima e maior facilidade em aceitar as suas fragilidades, pois são menos acomodados e estão menos na defensiva.

Em suma para melhorar a sua performance como improvisador, deixe de pensar nela e entre no estado de fluxo. O fluxo verifica-se no alto desempenho das artes (teatro, música, dança, etc.), quando estamos tão envolvidos numa tarefa que perdemos a noção de tudo o que se passa à nossa volta – temos pleno domínio do momento, sem termos consciência desse mesmo momento (pode parecer estranho, mas lembre-se de momentos da sua vida em que o tempo voou porque estava tão motivado e envolvido no que estava a fazer, que tudo o resto “desapareceu”).

‘Ao diminuirmos a nossa consciência de nós próprios, a atenção plena permite-nos testemunhar o que se passa à nossa frente, os sentimentos, as pressões sociais, até mesmo perceber quando é que somos estimados ou rejeitados pelos outros sem tomarmos os seus juízos de valor como ataques à nossa pessoa’ indica um estudo da universidade de Rochester (EUA). E diz Stephen Schueller, psicólogo da Universidade da Pensilvânia: 'Sermos atentos ao momento presente afasta alguma da nossa autocrítica que nos faz perdermo-nos nos nossos próprios labirintos mentais – e é na nossa mente que nós fazemos as avaliações que nos derrotam’.

Temos todos muito a ganhar se passarmos a ver a mudança e o improviso como o normal e a estabilidade como a excepção. Passaremos a aceitar, e aproveitar, melhor os imprevistos e a gozar com mais prazer a viagem em direcção à nossa visão.

Einstein escreveu que ‘a experiência mais bela é o encontro com o desconhecido. Ela está na origem de toda a verdadeira arte e ciência’.

Eu creio que saber viver com naturalidade essa experiência está na origem do indivíduo feliz, com alto desempenho e bem relacionado com o mundo que o rodeia.

2 comentários:

Anônimo disse...

Brilhante!!!

Fernando disse...

show! acredito que esse texto tenha mudado minha vida.