quarta-feira, 30 de julho de 2008

Criatividade

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O Sol da Meia-Noite




Temos de encontrar um caminho, ou fazer um.

Anibal de Cartago

The shortest distance between two points is under construction.

Noelie Altito



O meu amigo Ivo, talvez por ter formação em antropologia, teve sempre uma paixão pelas culturas do sul. Foi, aliás, o organizador de um encontro de culturas luso-africanas no Porto durante vários anos. A última vez que soube dele estava no Brasil; depois estivemos anos sem comunicar. Para meu espanto, soube há poucos meses que o Ivo, amante do calor, do samba e da capoeira, tinha emigrado para a fria... Islândia. Aproveitei umas férias para o visitar, pôr a conversa em dia e conhecer um dos países mais criativos, sob o ponto de vista musical e literário, da actualidade.

Perguntei-lhe o que é que o levou, com trinta e cinco anos, a deixar o seu espaço de conforto e a ir viver sozinho para um país onde é noite e frio durante oito meses e é dia, e menos frio, durante quatro, numa cultura social bastante mais reservada do que aquelas a que está habituado e a fazer um trabalho fora das suas qualificações. A resposta foi: ‘Neste momento de crise, e com a minha formação, em Portugal nunca iria sair da mediania; aqui estou a ser incomodado para me testar e pensar num projecto de mudança’.

Alexander Bell escreveu: ‘Não ande pelo caminho traçado, pois ele conduz somente até aonde os outros já foram’. O Ivo sabe isto e reconhece que a única forma de obter resultados fora do vulgar é optar por caminhos fora do vulgar.

Se na sua empresa quer de facto obter resultados extraordinários, vai ter mesmo de arriscar. E o primeiro passo para a excelência começa por duvidar dos processos actuais, mesmo que os resultados já sejam bons. No mercado competitivo de hoje, não fazer nada é andar para trás.

E o que pode a cultura da Islândia ensinar-nos sobre criatividade e inovação? Vejamos alguns dados adaptados do livro Geography of Bliss, de Eric Weiner: Quase toda a gente na Islândia é escritor ou poeta. Taxistas, professores universitários, recepcionistas de hotel, pescadores. Toda a gente. Os islandeses têm muito orgulho de, num país com trezentos mil habitantes, terem um prémio Nobel da literatura – Halldór Laxness. Além disso, é normal tocar-se um instrumento musical: as escolas de música e coros proliferam e quase todos os adolescentes fazem parte de uma banda de garagem.

Como é possível que este país minúsculo produza, per capita, mais artistas e escritores do que qualquer outro? Entre outros motivos, existem dois fundamentais: capacidade de risco e ambiente cooperativo. Talvez por ser um país com elevados recursos económicos *, na Islândia o insucesso não acarreta um estigma. Não é um problema falhar, se se falhou com as melhores das intenções. Assim, se somos livres de falhar, somos livres de tentar.

Um ambiente organizacional criativo começa por partilhar algumas crenças fundamentais que promovem a criatividade e a experimentação. A primeira delas é a crença de que toda a gente é criativa e é livre de expressar as suas ideias. A forma como o erro é encarado na sua empresa vai determinar a assimilação destas crenças pelos colaboradores.

Como referiu Frost: ‘Actos criativos são actos de coragem. Primeiro, porque o criador de uma inovação técnica ou social está a entrar em águas desconhecidas e, provavelmente, receberá comentários conflituantes sobre o valor da nova ideia. Segundo, porque o criador encontrará oposição ou hostilidade quando a ideia for apresentada e introduzida no sistema. Terceiro, porque ao longo do caminho, para uma possível aceitação da ideia, o criador terá de investir uma grande energia pessoal no processo de sedução para a inovação. Quarto, porque os actos criativos podem falhar e algumas vezes ameaçam a carreira dos seus responsáveis’.

É, pois, fundamental deixar claro que as pessoas serão valorizadas só pelo facto de darem ideias, sejam elas criativas ou não. A cultura criativa é reforçada quando as pessoas compreendem que o seu valor não é medido apenas pela qualidade das suas ideias, mas que são valorizados pelo simples facto de expressarem ideias.

O “peso” de ter que expressar sempre algo que esteja “certo” leva as pessoas a evitarem jogar o jogo da criatividade. A criatividade implica, muitas vezes, uma “rebeldia” contra o status quo vigente e contra a forma habitual de fazer as coisas. Portanto, se quer uma empresa mais criativa e inovadora esteja honestamente disposto a ser contrariado ou que a sua opinião sem sempre seja imediatamente aceite. Desconfie de uma equipa que lhe diz sempre que sim.

Isto obviamente não implica instituir um ambiente permissivo, em que as pessoas se sintam livres de errar sem quaisquer consequências. Repare que mesmo na Islândia as pessoas aceitam o erro, desde que este seja cometido com as melhores intenções.

O princípio será o de deixar claro que valerá a pena arriscar, se o que se faz é para o bem da equipa e para melhor atingir os objectivos de todos. Além disso, não se esqueça de ver como é que pode transformar os eventuais fracassos em novas possibilidades. Escusado será lembrar de que muitas das grandes invenções da história surgiram do aproveitamento de erros e obstáculos imprevistos. Por outro lado, assegure-se de que toda a gente aprende com as falhas do passado. É aceitável cometer erros novos, mas não repetir os antigos.

O outro aspecto relevante na cultura islandesa é a tendência para a partilha das ideias e recursos para criar. Por exemplo, se uma banda precisa de um amplificador ou de uma guitarra, há sempre uma outra banda disposta a ajudar, sem fazer perguntas. É claro que também competem entre si, mas no sentido original da palavra. A raiz da palavra “competir” encontra-se no latim competure, que significa “procurar com”.

Refere Eric Weiner, no livro citado, que em Reiquiavique as ideias circulam livremente, sem serem dificultadas pela inveja, tal como acontecia em Paris no início do século vinte, em que as pessoas viviam e trabalhavam em conjunto. Qualquer inovação, qualquer tendência, era de imediato conhecida, e poderia ser livremente incorporada no trabalho de qualquer outro. O que é mais relevante aqui é esta tendência para colocar o grupo e os objectivos de todos acima dos egos individuais e interesses pessoais.

Estamos perante uma outra crença fundamental para estimular a criatividade nas empresas, já proposta pelo Walt Disney Institute: a de que as ideias estão separadas da identidade de quem as exprime. Embora existam muitas barreiras que impedem a livre expressão de ideias, o motivo latente dessas barreiras é o sentimento de incerteza ou insegurança sobre como os outros irão reagir. E se eles não gostarem da minha ideia?

Assim, segundo a Disney, as pessoas numa cultura cooperativa acreditam que todos os indivíduos na organização têm valor só por serem quem são e trazerem a sua perspectiva única para a mesa e que as ideias, uma vez expressas, já não têm um dono. A cultura criativa não opera no princípio de “a minha ideia contra a tua ideia,” mas antes, “vamos escolher a melhor das nossas ideias.”


Durante esta viagem, eu e o Ivo alugámos um carro e fomos à cidade mais remota da Islândia, localizada num fiorde do noroeste da ilha. Um belo lugar para se ver o sol da meia-noite, uma vez que era o dia 21 de Junho e o dia tinha 24 horas. Nessa pequena cidade aproveitamos para ver este fenómeno único, de o sol pousar sobre a linha do mar e voltar a subir pouco depois. O anoitecer e o amanhecer fundem-se criando inesquecíveis paletas de cores púrpura no céu e nas montanhas. Depois, e uma vez que era sábado, fomos beber um copo ao único bar da cidade. Foi interessante verificar que, apesar de ser de dia, todos os comportamentos eram iguais aos que se podem ver numa “noitada” de sábado. E no que se refere aos excessos alcoólicos, os Islandeses são campeões. Nesse bar estavam os personagens que tínhamos visto ao longo do dia: o empregado do hotel, o rapaz da bomba de gasolina, o responsável pelo posto de turismo…foi exactamente este último, um jovem alto, de cabelo comprido louro e olhos azuis, que já bastante feliz com a sua caneca de cerveja “viking” na mão se aproximou e nos perguntou como estávamos. Respondemos, ainda em estado de deslumbramento, que tínhamos acabado de ver o fenómeno do sol da meia-noite numa colina junto à costa. A sua resposta: ‘Apesar de sempre ter vivido aqui, eu nunca vi. Estava em casa de uma amiga onde o poderia ter visto bem hoje, mas pensei cá para mim, fica para o ano, vou mas é embebedar-me…’.

Isto fez-me pensar que, de facto, aquilo que para uns é criativo e motivador, para outros é comum e indiferente. Tudo depende do contexto e do grau de surpresa, originalidade e novidade.

Tem surpreendido os seus clientes?
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* Este artigo foi escrito antes de a economia da Islândia ter sido fortemente abalada pela crise financeira. No entanto, é interessante hoje, após esse brutal acontecimento, ler as palavras de Sofia Barroca na Notícias Magazine de 07 de Dezembro de 2008: ‘(...) Os islandeses ficaram em choque. De país modelo passaram a país na bancarrota. Mas estão a mostrar ao mundo porque é que vale tanto a pena investir na educação e noutras áreas que garantem a qualidade de vida das populações. Os islandeses estão a privar-se dos seus pequenos luxos, estão assustados com o desemprego, mas acreditam que o seu país vai continuar a funcionar e recuperar desta crise que sobre eles se abateu, sem que os “serviços mínimos” lhes faltm. Têm uma fé inabalável na sua capacidade para se reconstruírem e voltarem a ser uma nação-modelo. Uma fé que nos faz a nós, portugueses, morrer de inveja, já que nunca aprendemos a confiar na nossa capacidade enquanto povo e na capacidade dos políticos que elegemos para nos retirar dos últimos lugares da Europa. Mais uma vez os islandeses preparam-se para ser um exemplo a seguir (...).’
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