sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Criatividade

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Pense Clown !!!
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We should be taught not to wait for inspiration to start a thing.
Action always generates inspiration. Inspiration seldom generates action.

Frank Tibolt
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Desde de sempre encontrei no humor uma forma elevada de inteligência, principalmente no humor feito de forma espontânea, com uso da comunicação não-verbal e à custa do próprio. A capacidade de uma pessoa se rir de si mesmo e dos seus problemas sempre me pareceu uma manifestação de dissociação emocional e distância do ego, fundamental para se poder sair do quadrado e resolver os problemas da vida e do trabalho de forma criativa e eficaz.
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Devido à minha formação na área do cinema e do teatro, os clowns (termo usado neste meio para denominar o "palhaço interior" - a expressão do Eu livre, tonto e exagerado de cada um) sempre me entusiasmaram como espectador.
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Há dois anos, decidi, por fim, fazer o meu primeiro curso de palhaço. Fui até Córdova onde decorria um encontro formativo de actores de toda a Espanha e inscrevi-me num curso de iniciação ao clown. Pensava que iria ser um clássico curso de actor, em que íamos construir a nossa personagem cómica, ou seja, aprender a fazer “palhaçadas”. Rapidamente percebi que não ia ser assim. O formador Gabriel Chame, argentino, ex-clown do Cirque du Soleil, usava um registo irónico, agressivo e por vezes humilhante, quando nos exercícios de improvisação se dirigia a cada um de nós. O seu objectivo era inquietar-nos, para fazer nascer o clown de cada um, a partir das suas próprias fraquezas e particularidades. Sempre que fazíamos um esforço para fazer rir com receitas pensadas, a plateia mostrava-se indiferente e o formador, irritado, ameaçava-nos de expulsão; quando finalmente conseguíamos mostrar uma verdadeira vulnerabilidade e ser autênticos, os risos na plateia começavam a surgir e o formador aplaudia.
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A partir daí fiquei fascinado com esta arte e tenho explorado as pontes que se podem fazer com a comunicação e com a criatividade nas empresas. Vejamos algumas:

No mundo dos clowns tudo é possível:
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Um clown não tem noção do ridículo, para ele tudo pode acontecer na sua lógica pessoal. No seu universo não existem disparates. A imaginação de um clown não tem limite possível. Tudo o que ele imagina pode ser real. Porque nisto consiste a sua vida, o seu mundo. Tudo o que faz tem uma justificação, a sua. Isso converte qualquer um dos seus actos, inclusive o mais absurdo, em normal. E é essa cegueira para as normas sociais e para a lógica comum que nos faz rir quando vemos um clown a actuar.

Uma das regras fundamentais da criatividade é a de “não se levar demasiado a sério”. Quando nos levamos demasiado a sério, numa reunião por exemplo, vamos estar mais preocupados em argumentar e em defender o nosso ponto de vista do que em explorar o assunto numa perspectiva de procurar o melhor para a equipa. Nos cursos de criatividade que dou nas organizações tenho observado que as técnicas, por si só, não têm qualquer impacto na produção criativa, se primeiro não se mudar a atitude julgadora dos participantes.

Recentemente, estava numa empresa a facilitar um Brainstorming para gerar soluções para resolver um problema real e concreto, quando me apercebi de que as ideias insistiam em ser banais, comuns e previsíveis. Mesmo lembrando as regras de não-avaliação nesta fase, reparei que os participantes continuavam a exercer a sua auto-censura, esforçando-se para dar ideias “aplicáveis” e “bonitinhas” aos olhos dos colegas. Lembrei-me de uma frase que um colega clown me tinha dito: ‘A dificuldade deste trabalho é a de que tudo é permitido e nós não estamos habituados a pensar e a actuar com tanta liberdade’.

No dia seguinte decidi voltar ao Brainstorming, mas desta vez levei um nariz vermelho de palhaço para cada participante. É importante salientar que se tratava da equipa de topo da empresa, habituada a reuniões sérias, estratégicas e muito lógicas. Quando no meio da chuva de ideias distribui os narizes, alguns participantes não queriam acreditar na proposta. Expliquei que depois de colocarem os narizes tudo passa a ser possível e que a partir daí só aceitaria ideias estúpidas, loucas e inaplicáveis. Disse-lhes que no mundo dos clowns podemos pensar e dizer o que quisermos. A reacção foi extraordinária, os risos começaram a soltar-se, quando olhavam uns para os outros e principalmente para o habitualmente sisudo director-geral, desta vez com um enorme nariz vermelho. Riso levou a riso, o ambiente ficou mais leve, as ideias começaram a fluir, deixaram de ser banais e começaram a ser tontas, palermas, absurdas e finalmente as pessoas começaram a sair do seu padrão lógico e previsível de pensar a realidade.

O trabalho a seguir foi transformar essas ideias tontas em ideias originais. É esse o percurso habitual da criatividade em equipa: as primeiras ideias que surgem são as banais, depois as tolas e só no fim as originais. O difícil é passar das primeiras para as segundas. É aí que o seu palhaço o pode ajudar a usar esse recurso valioso para a comunicação e para a gestão das equipas: o humor. Como referiu Harvey Mindess: ‘Não temos de ensinar as pessoas a serem cómicas. Temos apenas que lhes dar permissão’. Costuma rir-se de si próprio?

Saber, durante o período da criatividade, entrar nessa “sintonia clown” é voltar a ter cinco anos, a idade das perguntas e do auge da criatividade; é aprender a desaprender e a pôr de lado o que já se sabe, para permitir vir à mente o que não se sabe que se sabe.

Um clown é um optimista:
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Ao contrário do que se pensa, um clown não se esforça por fracassar, ele quer sempre fazer bem as coisas e quer ter sucesso, no entanto, acaba, invariavelmente, por se envolver em problemas devido à sua forma clown de ser. Mesmo quando está a perder, tudo está a correr mal e toda a gente vê que já não há hipóteses, ele continua a acreditar, com a mesma força, que vai conseguir ultrapassar os obstáculos e sair vitorioso. É essa ingenuidade que nos faz rir. Um clown é um apaixonado pela vida! É como a criança que, enquanto joga, cai, magoa-se, levanta-se e continua o jogo. O clown encontra sempre mais interesse em olhar para a frente do que em recordar o passado.

Criar num contexto empresarial implica estar sempre sob suspeita. O empreendedor, o criativo, o inovador será sempre alvo de olhares críticos. Alguns olharão “de lado” porque demasiadas ideias trazem mais trabalho e criam desconforto; outros porque têm inveja da sua dinâmica na empresa e na vida; outros porque têm medo e só vêem os aspectos negativos e os riscos das novas possibilidades que tentará implementar.

Se, face às resistências da equipa e aos obstáculos, demonstrar muitas inseguranças e dúvidas, dificilmente vai conseguir motivar as pessoas para a mudança; porém, se, tal como um verdadeiro clown, se mantiver optimista e enérgico na sua visão, as pessoas acabarão por o seguir, pois mesmo que à partida tenham receio, a força e o entusiasmo de um “líder clown” é contagiante. Disse Winston Churchill que ‘O êxito consiste em ir de fracasso em fracasso sem perder o entusiasmo’.

É fundamental também que crie na sua empresa uma cultura em que na avaliação das novas ideias, se tenha primeiro em conta os aspectos positivos e os benefícios e só depois se analise os riscos e os aspectos negativos. Estamos programados, por uma questão de sobrevivência, para julgarmos imediatamente pela negativa; no entanto, essa tendência para o pessimismo pode matar prematuramente as novas ideias, que poderiam ter feito a diferença. Mude o seu chapéu habitual de pensamento.

Um clown não pensa demasiado, observa, ouve a intuição e age:
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O maior obstáculo com que me tenho deparado nos cursos de teatro é o hábito de pensar demais. O desenvolvimento do nosso clown faz-se através de improvisações sucessivas, e pela análise do que vai resultando no público, para ser depois melhorado. Quanto mais penso antes de improvisar, menos espontâneo e criativo tendo a ser e menos risos obtenho. Uma formadora disse-me em tempos: ‘deves ser inteligente quando te preparas e estúpido quando actuas’. O que ela queria dizer é que no palco, em vez de estar concentrado nos meus pensamentos e em querer ser interessante, deveria estar concentrado e interessado no que está a acontecer no momento, para poder improvisar e tomar as melhores decisões. Tenho verificado que as melhores decisões (as que têm mais impacto cómico) são tomadas com base num impulso de momento, que reage a algum acontecimento. Poderemos chamar a isto intuição na criação. A intuição é o conhecimento interno que fica disponível sem reflexão consciente ou base racional.

Se quer optimizar a sua criatividade, ouça a sua intuição. No entanto, para lá chegar, terá que suspender esses diálogos internos, essa vontade de querer controlar tudo, e focar-se mais no que está a acontecer à sua volta, observando e reagindo de acordo com o que o seu corpo lhe indica. Walt Disney dizia: ‘tudo fala, só temos de estar atentos’. As suas melhores ideias virão das suas equipas, da sua observação da realidade e do quotidiano da sua empresa. Não procure, encontre! Só tem que estar focado, disponível e com o objectivo claro na sua mente.

Por outro lado, não basta decidir, é fundamental aplicar e pôr em prática alguma das novas ideias. Um clown faz e depois melhora o que fez, não está eternamente à espera de ideias geniais. Decidi deixar de dar formação numa empresa pela simples razão de que as chefias nunca aplicavam as ideias que as suas equipas geravam nas sessões de criatividade. No final, o que acontecia é que os participantes já viam, e com razão, aquelas sessões como uma perda de tempo e não sentiam qualquer motivação para continuar a dar ideias, que iriam ser postas na “prateleira” por quem tinha poder de decisão. Não ponha os seus colaboradores a falar se não quer verdadeiramente ouvi-los.
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Um clown tem sempre prazer em actuar:
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Lembro-me de uma improvisação em que o objectivo era falar de mim durante meia hora e fazer rir os meus colegas espanhóis. Sentia-me um pouco tenso e nada saía. O formador parou veio comigo para trás do palco e disse: ‘quero que voltes ali concentrado e com muito prazer por estares à frente do público’. Ficou claro para mim que quando estamos com vontade, contentes, e com prazer no palco, essa energia passa para o espectador e a sua reacção de satisfação dá-nos mais vontade de comunicar, dar e arriscar.

Quando as pessoas sentem prazer no que estão a fazer, são muito mais intuitivas, espontâneas e criativas do que se estiverem sempre tensas e cheias de dúvidas. Um clown tem sempre prazer no que faz porque é um apaixonado pela vida, pelos desafios e pelo jogo. Observe os clowns na sua empresa e veja a diferença na atitude e nos resultados.

Já fiz sete cursos de clown e vou brevemente fazer outro. Creio que todos os anos irei fazer pelo menos um. Mesmo que ser palhaço não seja o meu trabalho principal, é claro para mim que estimular o meu clown interior é fundamental para me manter fora do quadrado na resolução dos problemas enquanto formador e coach.

É muito fácil ficar sério, demasiado lógico, com medo e perder o humor no mercado competitivo actual. No entanto, como dizia Einstein, é nestas épocas de crise que a imaginação é mais importante do que o conhecimento. Manter o seu clown interior vivo é fundamental para que a sua espontaneidade não esmoreça. Por isso, nunca se esqueça de que o treino faz o mestre, e faça da expressão criativa uma actividade regular na sua organização. E não se preocupe se lhe chamarem “grande palhaço”, poderão estar a fazer-lhe um elogio...
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quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Técnicas de Actor e Impacto Comunicacional

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1.Impacto Comunicacional
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Se quiserem convencer-me, devem pensar os meus pensamentos,
sentir os meus sentimentos e falar com as minhas palavras.

Cícero
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Primeiro acerto no ponto, só depois é que falo.

Descartes
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Quero com este artigo partilhar a minha convicção de que as técnicas do teatro, quando bem transpostas e adaptadas, são um excelente método para treinar e desenvolver as competências comunicacionais nas empresas. A diferença entre esta abordagem e a formação tradicional consiste numa metodologia que envolve o formando completamente e num treino constante, com transformações visíveis, que está para além do mero explicitar de conceitos e visionamento de diapositivos. O dicionário Houaiss da língua portuguesa define a palavra impacto como ‘a impressão ou efeito muito fortes deixados por certa acção ou acontecimento’. Desta forma, ter impacto na comunicação implica chegar ao outro com emoção. O trabalho do actor é por excelência o trabalho da comunicação emocional. Treinar competências comunicacionais com técnicas de expressão dramática permite uma intervenção ao nível da mente, do corpo e da emoção, ou seja, uma formação que envolve o indivíduo no seu todo, porque todo ele comunica.
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Nos dias de hoje, confunde-se habitualmente informação com comunicação. Por exemplo, enviar um e-mail não é comunicar, é apenas informar. A comunicação acontece quando eu me asseguro de que o outro recebeu o e-mail, o leu, e interpretou a mensagem com o sentido que eu lhe dei. Ou seja, para ter impacto não basta falar é preciso ter a certeza de que o outro ouviu aquilo que eu quis dizer. Assim, um princípio básico da comunicação consiste no facto de que só comunicamos aquilo que o outro ouviu (e não aquilo que pensamos que dissemos). Logo a única forma de saber o que o outro ouviu é ouvindo o que ele tem para dizer acerca do que eu disse.
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Por outro lado, os melhores comunicadores que tenho encontrado não são necessariamente os que falam melhor. São seguramente também os que ouvem e observam melhor. Porquê?
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Porque estes falam centrados nas necessidades de quem os ouve, pois já foram capazes de detectar essas necessidades, uma vez que antes de imporem o seu discurso, a sua proposta ou a sua razão, ouviram primeiro as razões, necessidades e motivações dos interlocutores e adaptaram o seu discurso para ir ao encontro dessas necessidades. Disse Lisa Kirk que: ‘Um coscuvilheiro é alguém que lhe fala dos outros. Um maçador é alguém que só fala de si próprio, um conversador brilhante é alguém que lhe fala de si’. Ironicamente, os comunicadores que mais nos marcam não são aqueles que se consideram interessantes, mas sim aqueles que se interessam pela audiência, a observam, a ouvem e se colocam na sua posição de percepção. Lembre-se que para ser interessante é preciso primeiro que seja interessado.
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Neste sentido, querer dizer coisas a mais, ou de forma pouco clara, pode ser um dos maiores obstáculos ao impacto na comunicação. Da mesma forma que o espectador tende a “desligar” numa peça em que não compreende muito bem o que se passa ou cuja duração excede o tempo necessário para criar o efeito pretendido, também na nossa comunicação devemos dizer o que interessa e saber quando terminar. Para o ajudar, lembre-se da técnica “Cut to the chase” (ir directamente ao assunto).
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Como explicam Marcum & Smith no livro Egonomics, esta frase ‘vem dos antigos filmes mudos, onde, normalmente se assistia a uma longa história que levava a uma cena de perseguição (chase) no final do filme – polícias a perseguirem ladrões, extraterrestres a perseguirem humanos, os bons a perseguirem os maus, e por aí adiante. Na sala de montagem, se a história demorava muito a chegar à perseguição, correndo assim o risco de perder a atenção do público, o director dizia aos montadores: “Cortem (cut) a história e avancem até à perseguição (chase).”A versão curta da história passou a chamar-se “Cut to the chase”. Assim, saber escolher e articular a informação fundamental, mantendo a atenção do seu interlocutor durante toda a comunicação até à “perseguição final” é uma das bases do impacto da sua comunicação.
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Mas mais do que isto, se eu quero efectivamente deixar uma marca no interlocutor devo assegurar-me de que a minha comunicação o atinge emocionalmente e não apenas cognitivamente. Porque razão estará o actual presidente dos Estado Unidos a revolucionar a forma como se fazem os discursos na política? Porque um discurso de Obama é mais do que um conjunto de palavras, é um acto inspirador que leva as pessoas a acreditarem e a envolverem-se emocionalmente nas suas propostas. Porque a forma como os discursos são ditos - o tom de voz, as entoações, a dicção, a clareza, a postura corporal - está concebida para ter impacto e para influenciar e não apenas informar.
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Assim, um aspecto fundamental a considerar é que as palavras apenas têm um impacto emocional em pequena percentagem, sendo a comunicação não-verbal responsável pela maior parte desse impacto. Ray Birdwhistell, professor da Universidade de Pennsylvania concluiu através dos seus estudos, que a relevância das palavras numa interacção entre pessoas é apenas indirecta, pois grande parte da comunicação processa-se num nível abaixo da consciência. Segundo este autor, apenas 35% do significado social de uma conversa corresponde às palavras pronunciadas, os outros 65% seriam correspondentes aos canais de comunicação não verbal.
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Noutro estudo clássico, amplamente citado, publicado no livro Silent Messages, o professor Albert Mehrabian da Universidade de Califórnia, em Los Angeles (UCLA), concluiu que 93% do impacto comunicacional é não verbal: 55% linguagem corporal (postura, gestos, contacto ocular) e 38% voz (a forma como as palavras são ditas); apenas 07% se focaliza nas palavras (o conteúdo propriamente dito). É importante realçar que este estudo tem sido mal compreendido por alguns consultores quando o generalizam a todas as situações de comunicação. O próprio Mehrabian na sua página de Internet chama a atenção para o facto de esta experiência ter sido feita com base na comunicação de sentimentos e atitudes, e que deve aplicar-se apenas a situações análogas. Aplica-se, portanto, plenamente ao nosso tema, pois é da comunicação com impacto que estamos a falar e esta deve ser e ter impacto emocional.
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Ora, face a estes números, talvez possa ponderar se é boa ideia estar a dar tanta importância ao que vai dizer sem se preocupar com a emoção subjacente ou com o treino das suas competências expressivas. Os especialistas no estudo da comunicação não verbal concordam especialmente no seguinte ponto: não é possível comunicar fingindo a linguagem corporal, podemos mentir pelas palavras, contudo, o nosso corpo mostrará sempre a verdade. É que, como referiu o professor António Damásio, numa conferência em 2001 no Teatro Nacional S. João no Porto: ‘O corpo é o palco das emoções’.
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Tenha, desta forma, em consideração que o impacto verdadeiro e duradouro não é obtido com estratégias plásticas ou manipuladoras e que tem acima de tudo que ver com a verdade, concentração e congruência com que passa a sua mensagem.
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Muitas vezes, um actor representa o mesmo papel da mesma maneira em dois espectáculos consecutivos, e pode acontecer que, num deles, os espectadores sejam totalmente apanhados pela empatia, e no outro não. No entanto, o actor tem a impressão de que interpretou exactamente da mesma forma nas duas vezes. Como refere Augusto Boal, no livro Jogos para Actores e Não-Actores: ‘Os seres humanos são capazes de emitir muito mais mensagens do que as que têm consciência de estar a emitir. E são capazes de receber muito mais mensagens do que as que supõem que estão a receber. Por isso, a comunicação entre dois seres humanos pode dar-se em dois níveis: consciente ou inconsciente’. No exemplo anterior, o actor no segundo espectáculo transmitia inconscientemente mensagens que nada tinham a ver com as que ele transmitia conscientemente. ‘Ele podia estar a declamar as angústias do personagem e a pensar no que fazer depois do espectáculo...’. O que faz com que as mensagens conscientes e inconscientes sejam absolutamente idênticas é a concentração do actor, como diz Boal ‘este nunca deve permitir uma mecanização que o leve a fazer coisas sempre iguais enquanto pensa noutra coisa. O acto de representar deve significar a completa entrega do actor à sua tarefa’.
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Da mesma forma o acto de comunicar deve implicar a completa entrega do comunicador à sua tarefa e à audiência, para não ser traído pela contradição entre o que pensa que está a transmitir e o que o seu corpo está a dizer.
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Existe um ditado que afirma ‘o que fazes fala tão alto que não ouço o que dizes!'. Se o que estiver a dizer for incongruente com o que o seu corpo está a dizer, o outro vai ser influenciado não pelas suas palavras, mas, essencialmente, pelos sinais não verbais que está a transmitir. O corpo fala, e fala muito alto...
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2. Fluxo
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Oh corpo curvado pela música,
Oh, olhar iluminado!
Como poderíamos distinguir
O dançarino da dança?

Yeats

Os melhores actores fazem-nos acreditar que o que estão a representar e a fazer é real. A intensidade do que apresentam é muito forte e mesmo assim parece que o fazem sem qualquer esforço. O que comunicam fluí, porque eles próprios estão em fluxo. Este termo foi criado por Mihaly Csikszentmihalyi. Diz o autor no livro Novas Atitudes Mentais: ‘Estes sentimentos – que incluem concentração, absorção, envolvimento profundo, alegria, uma sensação de realização – são aquilo que as pessoas descrevem como os melhores momentos da sua vida. Podem acontecer praticamente em qualquer lugar, em qualquer altura, desde que a pessoa esteja a usar a energia psíquica num padrão harmonioso. É o que o amante sente ao falar com a sua amada, o escultor ao cinzelar o mármore, o cientista mergulhado na sua experiência.’
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O estado de fluxo é um estado em que as pessoas ficam absolutamente absortas no que estão a fazer, dando à tarefa uma atenção indivisa, em que a consciência se funde completamente com as acções. Ser capaz de entrar em fluxo é inteligência emocional no seu melhor; o fluxo representa, possivelmente, o máximo em matéria de gerir as emoções ao serviço do desempenho. No fluxo, as emoções não são apenas contidas ou controladas: são positivadas, energizadas e alinhadas com a tarefa entre mãos. É uma experiência gloriosa – a característica específica do fluxo é uma alegria espontânea, um êxtase. Fazendo-nos sentir tão bem, o fluxo é inerentemente gratificante.
É um estado de auto-esquecimento, precisamente o contrário da ruminação e da preocupação: em vez de se perderem em preocupações nervosas, as pessoas em estado de fluxo ficam tão absortas no que estão a fazer que perdem toda a consciência de si mesmas, esquecendo os pequenos problemas da vida quotidiana e o limitador medo de falhar - não são assaltadas por pensamentos de êxito ou de fracasso, o simples prazer do acto em si mesmo é o que as motiva. Neste sentido, os momentos de fluxo são despidos de ego. Paradoxalmente, as pessoas em estado de fluxo são exímias no controlo daquilo que fazem, as suas reacções ficam perfeitamente sintonizadas com as exigências da tarefa.
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Uma condição que parece essencial para o comunicador entrar em fluxo na sua actividade relaciona-se com a adequação das suas competências ao grau de exigência da tarefa que tem em mãos. As pessoas parecem concentrar-se melhor quando as exigências que lhe são feitas são maiores do que o habitual, e são capazes de dar mais do que o habitual. Se a exigência é demasiado baixa, aborrecem-se; se é excessiva, ficam ansiosas. O fluxo acontece nessa delicada zona entre o tédio e a ansiedade. E é nessa zona que acontece o impacto mágico, quer no teatro, quer na nossa comunicação.
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3. Respiração e Voz
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Neste nosso respirar reside o segredo
que todos os grandes professores nos tentam revelar.

Peter Matthiessen

Se uma pessoa me falar com a voz certa,
segui-la-ei de certeza.

Walt Whitman

Uma das técnicas mais importantes que podemos importar do mundo teatral para a nossa comunicação no quotidiano é a arte de saber respirar.
Saber respirar não só nos ajuda a gerir melhor a ansiedade, e portanto a facilitar o estado de fluxo, como nos ajuda a obter maior impacto no uso da voz.
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Poderemos dividir o movimento respiratório em três áreas do corpo:
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Respiração abdominal ou diafragmática: é aquela que acentua o movimento na parte baixa da barriga, fazendo a barriga crescer com a inspiração e recolher-se com a expiração. O ar concentra-se na parte baixa dos pulmões. Esta respiração é a que (supostamente) exige menos esforço e corresponde a aproximadamente sessenta por cento do ar que podemos absorver. É predominante em estados de descanso, relaxamento e durante o sono.
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Respiração intercostal: é aquela que movimenta a região intermediária entre o abdómen e o peito, fazendo as costelas inferiores se abrirem na inspiração e se recolherem na expiração. Equivale a trinta por cento do volume de ar que podemos absorver.
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Respiração clavicular: é aquela que movimenta a parte alta do tronco, abrindo e elevando o peito na inspiração e recolhendo-o na expiração. O ar concentra-se na parte mais alta dos pulmões. Corresponde a dez por cento do volume de ar que podemos absorver.
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Tenho observado nos meus cursos que os formandos fazem habitualmente estas duas últimas, a que podemos chamar respiração torácica, e têm dificuldade em fazer a respiração abdominal. É no entanto fundamental aprender a fazer uma respiração completa para conseguir mais impacto na comunicação.
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Podemos dizer que há respiração completa quando há o envolvimento das três áreas, utilizando assim toda a capacidade pulmonar. Neste caso, observamos que há movimento tanto na barriga como na parte superior. Esta respiração caracteriza-se por uma expansão harmónica de toda a caixa torácica, sem excessos na região superior ou inferior. Há o aproveitamento de toda a área pulmonar, e é a respiração mecanicamente mais eficaz para o desenvolvimento de uma voz profissional e impactante.
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No entanto, quando estamos agitados e excitados, a nossa respiração torna-se irregular: um ciclo respiratório curto e rapidamente repetido é a única possibilidade respiratória nesse momento. Assim, no estado ansioso, não conseguimos uma sustentação adequada da quantidade de ar e a projecção da voz é então muito difícil de ser conseguida. Por isso, há que treinar a qualidade da respiração, não só como uma ferramenta vocal, mas também como uma competência básica para o bem-estar emocional do comunicador.
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Segundo Mayra Carvalho Oliveira, a respiração é um dos mais importantes elementos do reflexo da dinâmica emocional de um indivíduo, a pulsação básica da vida: nascemos para o mundo pela primeira respiração e dele nos retiramos através do "último suspiro". Do ponto de vista psicológico, a respiração indica os ritmos da vida e é o processo mais flexível do nosso organismo, o primeiro a alterar-se em resposta a qualquer estímulo interno ou externo. Assim, a respiração influencia e é influenciada pelo estado emocional em que nos encontramos, podemos, dessa forma, modificar conscientemente o nosso estado físico e mental pela maneira como respiramos.
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Quando a respiração é calma, profunda, regular e harmónica, a nossa energia aumenta e todo o organismo se equilibra, a mente torna-se mais lúcida, o corpo mais alerta e sensível, a audição mais acurada, as cores mais vibrantes e a experiência vivencial aprofunda-se. Apenas quando respiramos profundamente é que podemos entrar em contacto com os nossos sentimentos e sensações, transformando-os em palavras. Por exemplo, quando choramos, após várias inspirações e ampliações forçadas da caixa torácica, e nos acalmamos, entendemos por que discutimos e somos mais capazes de traduzir em palavras o que aconteceu.
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Pessoas activas e energéticas apresentam em geral uma respiração mais profunda, ao passo que pessoas com pouca motivação apresentam um ciclo respiratório superficial, onde quase não se observam movimentos na região torácica ou abdominal; indivíduos pacientes e persistentes tendem a um equilíbrio quase perfeito entre as duas fases do processo, ao passo que pessoas deprimidas apresentam um decréscimo na frequência respiratória.
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Quanto à voz, ela faz parte da nossa identidade e é uma componente fundamental para o impacto da imagem do comunicador. Todos conhecemos vozes que nos embalam na rádio e imaginamos como será o aspecto do dono dessa voz. Um timbre envolvente, uma altura grave, uma voz bem colocada, faz-nos sentir bem e com vontade de continuar a ouvir o interlocutor. Estas qualidades acústicas da voz podem ser optimizadas, como vimos, pela respiração. Existem, também, as características de estilo vocal que podem ser treinadas com as técnicas do teatro: o ritmo do discurso, saber usar pausas dramáticas para criar expectativa no interlocutor ou simplesmente dar tempo para digerir o que acabou de ser dito, uma dicção limpa em que as palavras são claramente entendidas e acima de tudo saber variar as entoações de acordo com a importância do que se está a dizer e da emoção que se quer transmitir.
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Como refere Margarida Magalhães Vieira no livro Voz e Relação Educativa, não há vozes neutras; mesmo quando se pretendem neutras produzem os seus efeitos: seduzem, repelem... Cada um de nós ao usar a voz terá como finalidades: sentir prazer, libertar tensões, informar, exprimir, comunicar, agir sobre os outros, etc. Se pretendemos fazer passar uma mensagem pouco polémica ou banal (constatar factos, evocar recordações, expor uma situação...), em contacto com um número reduzido de interlocutores e num pequeno espaço, usamos uma voz “conversacional”, simples, não projectada; se queremos comunicar, convictamente, algo de inovador ou a que atribuímos grande importância, num amplo espaço e procurando agir sobre os interlocutores (tentando convencer, dando uma ordem...) usamos uma voz “projectada” que irá provocar um impacto mais forte. Tudo depende da emoção e da intenção associadas ao momento e a quem comunica.
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Acima de tudo é fundamental perceber que a voz comunica mais do que as palavras que transporta, lembremo-nos de uma frase ouvida no maravilhoso filme do realizador Giuseppe Tornatore, Cinema Paraíso, dita pela mãe ao filho Salvatore que regressa à aldeia depois de uma ausência de 30 anos: “Meu filho, de cada vez que te telefono atende-me uma mulher diferente, mas nunca ouço a voz de uma mulher que te ame”.
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4. Emoção
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As emoções são intermináveis. Quanto mais as exprimimos,
mais maneira temos de as exprimir.

Edward Forster

O segredo da vida consiste em recusar qualquer emoção que não seja conveniente.
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Oscar Wilde
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Tenho observado que na nossa comunicação obtemos o que damos, isto é, se comunicarmos centrados na razão, vamos despoletar essencialmente pensamentos nos outros; se também comunicarmos com emoção, despoletamos emoções e logo temos mais impacto. Não estamos habituados a comunicar com emoção porque temos medo desse vasto mundo da intimidade, do ridículo que pode estar associado a uma expressão mais pessoal e intensa e de perder o domínio de uma energia cuja gestão não é treinada nas escolas.
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O uso correcto da emoção é um dos recursos mais usados pelo actor. Diz a este propósito Sónia de Azevedo no livro O Papel do Corpo no Corpo do Actor que ‘há uma emoção do actor que deve ser canalizada (procurada, produzida) para servir à emoção que deve estar presente na personagem. Mas será ela igual àquela que o actor vive na sua própria vida? Por um lado parece ser a mesma (na sua intensidade, na energia que despoleta, nas modificações somáticas ocasionadas), mas pelo próprio facto de ser uma emoção que é chamada com o objectivo de uma criação artística (e, portanto, provocada pela intenção de criar) não tem os mesmos motivos pessoais, nem encontra os mesmos contextos para a sua expressão, tais como o actor conhece na vida real. Se a emoção é provocada, no intérprete, por associações que este realiza com dados guardados na sua memória afectiva, o momento em que esses estados afectivos vêm à tona já têm o destino do palco, já encontram o seu lugar na cena ou no filme. Como o estado emocional está, no caso, a ser utilizado como recurso, ele pode, com mais facilidade, ser interrompido pelo actor treinado do que se tal desequilíbrio estivesse ligado a condições verdadeiras da sua vida pessoal’.
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Não somente essa emoção pode ser interrompida, como controlada na medida da intensidade desejada. A emoção é verdadeira, mas a situação na qual se coloca é ficcional. Ao actor cabe saber usar as suas emoções, lidar materialmente com elas; para isso cumpre-lhe conhecer como são produzidas, como ocorrem naturalmente em si mesmo, para depois provocá-las tecnicamente, graduar a sua intensidade e finalizá-las no momento preciso.
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Assim, tal como o actor, o comunicador pode usar as suas memórias afectivas para se colocar num estado de recurso. Pode ser-lhe muito útil, por exemplo, antes de uma apresentação em público saber chamar uma memória afectiva positiva, de autoconfiança, vivida no passado que lhe transmita entusiasmo para enfrentar a audiência; ou antes de uma reunião negocial saber chamar as emoções adequadas de determinação para ter sucesso nesse momento; ou o formador, antes de dar uma formação previsivelmente “aborrecida”, saber chamar uma memória de prazer, etc. Trabalhar o músculo emocional com as técnicas de actor é de grande utilidade para o nosso quotidiano.
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Por outro lado, se o corpo é o palco das emoções, a intensidade da nossa expressividade corporal e vocal vais estar intimamente conectada com a intensidade da emoção que estamos a sentir em cada momento. Desta forma, comunicar com impacto é, além de saber chamar as emoções adequadas em cada situação comunicacional, saber gerir a sua intensidade de acordo com a expressividade que se quer transmitir para atingir os objectivos.
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Outro aspecto que o actor considera para tornar a emoção mais clara e precisa é a intenção da personagem. O conceito fundamental para o actor não é o ser o personagem, mas o querer. Não se deve perguntar quem é, mas o que quer, concretamente. A primeira pergunta pode conduzir à formação de lagoas de emoção, enquanto a segunda é dinâmica, objectiva, comunicativa. Não basta dizer que sou feliz para sentir e comunicar felicidade, é preciso desejar e criar algo que nos faça feliz. Quanto mais concreta e intensa for a nossa intenção, mais fortes e claras serão as emoções que transmitimos ao nosso interlocutor e logo o nosso poder persuasivo será mais forte.
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5. Corpo
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Estar cheio de vida é respirar profundamente,
mover-se livremente e sentir com intensidade.


Alexander Lowen
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O pássaro canta porque está feliz ou está feliz porque canta?
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Anónimo
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Todo o ser humano é expressivo, tenha ou não consciência disso. Obviamente que o actor deve ser aquele que entra directamente em contacto com o fenómeno da expressão corporal, percebendo como, quando e porque esta ocorre. Deve aprender a ver-se, a trabalhar o seu corpo e as partes deste observando o efeito no público
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Stanislávski, influente actor, encenador, pedagogo e escritor russo, propõe que o actor construa a personagem quer a partir de dentro, com memórias afectivas como vimos, quer de fora para dentro, trabalhando o seu corpo e repetindo movimentos e acções físicas que vão influenciar e intensificar o seu estado emocional.
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Só quando o aparelho corporal do actor estiver subordinado aos sentimentos interiores é que se evitará a actuação estereotipada; é preciso que as acções brotem dos impulsos interiores. O actor deverá, então, acreditar “sinceramente em cada uma das acções físicas ‘para criar’ a vida física dos seus papéis, pois, se um papel não consegue formar-se espontaneamente dentro do actor, este não tem outro recurso senão abordá-lo de maneira inversa, partindo dos aspectos exteriores para dentro. A via corporal pode levar o actor a encontrar a verdade interna, porque ‘basta que o actor em cena perceba uma quantidade mínima de verdade orgânica, nas suas acções ou no seu estado geral, para que instantaneamente as suas emoções correspondam à crença interior na autenticidade daquilo que o seu corpo está a fazer’.
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A postura corporal carrega uma emoção subjacente, uma pessoa de costas curvadas não terá, decerto, o forte ego da pessoa que caminha direita, por outro lado, as costas direitas são menos maleáveis... Se a forma como uma pessoa caminha, se senta, está de pé, se movimenta, e se a linguagem do seu corpo indicam a sua maneira de ser e a sua personalidade, bem como a aptidão para se aproximar dos outros, então:
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Podemos considerar meios que levem uma pessoa a mudar, mudando a linguagem do corpo, treinando novos movimentos físicos que se tornem um hábito e o hábito cria uma segunda natureza, um melhor comunicador.
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Transferindo este princípio de “contaminação” corpo-emoção para o nosso quotidiano, é importante para o comunicador saber observar a sua postura corporal no momento da comunicação e saber mudá-la para fazer emergir a emoção adequada ao que pretende.
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Nos meus cursos faço a abordagem do treino das sete partes do corpo, ensinada pela minha coach de representação para cinema Bela Grushka, directora da Acting School da New York Film Academy. Este treino consiste numa prática intensiva e repetida de movimentos físicos centrados em diversas partes do corpo. Cada parte do corpo vai estimular uma emoção diferente e logo uma expressividade corporal, gestual e vocal diferentes. É um trabalho que não pode passar pela compreensão, mas antes pela experimentação corporal.
O formando deve deixar-se surpreender pelo que acontece na sua expressividade à medida que varia o centro em cada uma das partes.
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As sete partes são: esqueleto, pele, cabeça, músculos, coração, barriga e sexo. Cada um de nós tem uma expressividade corporal inconsciente mais centrada numa ou duas destas partes. Aumentar o impacto significa ser capaz de comunicar com tantas partes quantas as necessárias para tornar mais colorida e menos monótona a expressão. À medida que os formandos vão treinado a sua comunicação em cada uma das partes emergem características diferentes da sua expressão: esqueleto – organização, pele – leveza, cabeça – razão, músculos – força, coração – emoção, barriga – instinto, sexo – sedução. O uso combinado destas características, numa apresentação por exemplo, dá uma outra flexibilidade ao comunicador; pode também ajudar a superar desequilíbrios, por exemplo, alguém que tem um padrão expressivo pele (leveza) ganha atenção, em certas situações, se usar uma expressão músculo (força) ou alguém que comunica habitualmente com a cabeça (razão) pode conquistar maior afecto se centrar mais no coração (emoção) ou no sexo (sedução), etc.
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Para terminar esta parte, quero falar de um dos elementos mais importantes quando se trata de criar relação com um interlocutor: o olhar. De todas as partes do corpo humano utilizadas para comunicar, são os olhos a de maior importância, a que consegue transmitir facetas mais subtis. A primeira coisa que o palhaço faz quando entra em cena é olhar para os espectadores, um olhar que quer dizer:
“Eu estou aqui, estou a sentir isto e quero-o partilhar contigo” (habitualmente prazer ou vulnerabilidade).
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Esta troca de olhares entre actor e espectador cria relação e aproxima os dois mundos, por isso se diz que no mundo dos palhaços não existe a “quarta parede” habitual no teatro tradicional. Esta técnica do teatro moderno que leva o actor para perto do público provoca, frequentemente, uma sensação desagradável. Ao misturar-se com a assistência, o actor torna-se, subitamente, um de nós e, olhá-lo (e ser olhado) tão de perto, torna-se embaraçoso. Por isso, há que saber fazer uma correcta gestão dos olhares na nossa comunicação.
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Olhar demasiado tempo para um interlocutor durante uma conversa ou apresentação pode ser entendido como invasivo, não olhar de todo pode ser entendido como abandono ou desinteresse.
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Julius Fast no livro A Linguagem do Corpo partilha alguns estudos interessantes sobre o tendencial significado de certos olhares: quando uma pessoa desvia o olhar enquanto fala, é porque quer continuar a falar e não deseja ser interrompido; quando se afasta o olhar da pessoa que fala connosco e a quem escutamos, exprime-se “Não me satisfaço com aquilo que está a dizer. Sei mais qualquer coisa”; fitar o interlocutor que nos escuta, talvez corresponda a “Tenho a certeza daquilo que estou a afirmar”; olhar para o interlocutor enquanto escutamos, terá o significado de “Concordo consigo” ou “Estou interessado naquilo que diz”; Deixar de olhar para o interlocutor enquanto ele fala, assinalará: “ Não quero que saiba o que estou a sentir”. E isto é especialmente verdadeiro quando o interlocutor critica ou insulta. Há aqui qualquer coisa de parecido com a avestruz que esconde a cabeça na areia. “Uma vez que o não estou a ver, não me pode ferir”. É por esta razão que, com frequência, as crianças recusam olhar para quem as repreende.
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Obviamente que se tratam apenas de leituras tendenciais, pois teremos sempre que ser capazes de ler o não verbal caso a caso e calibrar o que determinado olhar - entendendo-se por olhar não só os olhos mas também todos os movimentos associados do rosto - significa para determinada pessoa.
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Veja-se o que já no século dezassete o filósofo francês Cureau de la Chambre escrevia sobre o olhar: “Porque a natureza não deu apenas ao homem a voz e a língua como intérpretes do seu pensamento; na desconfiança de que delas pudesse abusar, fez ainda falar o seu rosto e os olhos para as desmentir quando elas não fossem fiéis. Numa palavra, ela derramou toda a sua alma no exterior e não é necessária janela para observar os seus movimentos, as suas inclinações e os seus hábitos porque eles mostram-se no rosto onde estão escritos em caracteres bem visíveis e manifestos”.
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6. Papéis
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Podes ser toda a vida imitação
tudo estudado em cada gesto exposto
papel que representas
muito exacto.
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Ou podes enfrentar a solidão
deixar que pouco a pouco um rosto
rompa entre fendas
teu final retrato.
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Bernardo Pinto de Almeida
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O maior equivoco que encontro quando falo da transposição das técnicas de actor para o desenvolvimento de competências comunicacionais é o mito de que se vai aprender a colocar máscaras e a fingir comportamentos afastados da essência e da verdade da pessoa. Essa abordagem parece-me um pouco fraudulenta, com resultados apenas imediatos e, mesmo assim, duvidosos.
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O importante é aprender a representar novos papéis, ou melhorar papéis já existentes, mas que estejam ligados ao Eu de cada um, que sejam sentidos verdadeiramente, e que criem novas naturezas e possibilidades de acção sustentadas e duradouras.
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Isto é, cada um vai encontrar no seu Eu, as crenças, a emoção, a acção e a expressividade própria para adquirir o novo papel comunicacional, através do treino persistente (Role-Playing) dos novos comportamentos e atribuir a esse papel a sua própria unicidade e autenticidade (Role Creating).
Não há dúvida de que, como explica Xavier Guix no livro Nem Eu Me Explico, Nem Tu Me Entendes, estamos ligados uns aos outros através de relações de papéis: as obrigações de uns são as expectativas do outro. Ter claros estes conceitos é muito importante quando se acede a qualquer actividade partilhada, sobretudo se as relações são entre desconhecidos: o que se espera exactamente de mim; o que espero eu exactamente. É fundamental, porém, evitar que neste jogo de papéis se deixe de ser quem é, pois esse efeito de dissociação entre o que se sente e se faz enfraquece e retira impacto ao comunicador.
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‘Podemos integrar os papéis na nossa vida de forma natural e dispor das condutas necessárias no momento necessário. Não vestimos o papel, mas somos esse papel.’
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É claro que há que considerar os comportamentos “forçados” ou profissionais que por vezes temos que ter no palco da vida, essas situações em que o que sinto é uma coisa e o que estou a fazer é outra: “Na verdade, não me apetecia estar a distribuir sorrisos, mas é o que tenho que fazer. Desempenho um papel!” Não sendo a situação desejável, pois o ideal é que haja um treino para que o papel seja congruente entre o que penso, sinto e faço, este comportamento continua a estar associado à pessoa que o representa. ‘A minha pergunta é: e esse sorriso era o sorriso de outrem? Ou era aquele seu sorriso que aprendeu a fazer quando dele precisa?’ Não está a usar uma máscara, mas a utilizar um recurso pessoal, seu, que agora lhe convém. Para quê menosprezar os nossos próprios recursos, como se eles pertencessem a outra pessoa?!
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Caso diferente é o dos camaleões sociais. Pessoas que têm a capacidade de converter-se em personagens de si mesmos e até de transformar-se naquilo que não são, pessoas que preferem, quaisquer que sejam os motivos, afastar-se de si próprios. ‘Entendo que afastar-se de si mesmo é desligar-se emocionalmente, ocultar e até prescindir dos próprios sentimentos. Isto só se pode fazer racionalizando a vida. Por isso, essas pessoas não sofrem de dissonâncias cognitivas, pois costumam ter argumentos para tudo. Sabem encontrar e justificar todas as suas acções por muito díspares que elas sejam. Poderia dizer-se que importam pouco os meios desde que se alcancem os objectivos pretendidos.’ Acredito que este comportamento pode ser muito útil às pessoas que o usam, não me parece de todo o comportamento que cria impacto.
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Porque só cria impacto significativo, quem dá, quem é generoso, quem se expõe na sua verdade e quem se preocupa verdadeiramente com os outros. Foi a lição mais valiosa que aprendi nos meus cursos de actor!
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Termino com uma citação de Daniel Faria: ‘Creio que o mais egoísta dos homens é aquele que recusa dar aos outros a sua fragilidade e as suas limitações. Quem recusa aos outros a sua pequenez, comete um dos mais infelizes gestos de prepotência. E porque aí se rejeita, aos outros não poderá dar senão o sofrimento da perda. Querendo-se sem falha, será o mais incompleto dos seres’.
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