domingo, 15 de fevereiro de 2009

Alto Desempenho e/ou Felicidade?

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1. A Febre de Domingo à Noite
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O êxito consiste em alcançar o que se deseja;
a felicidade, em desejar o que se alcança.
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Anónimo


O leitor transborda de energia quando vai trabalhar? Sente que, caso ganhasse o euromilhões, continuaria a querer fazer o mesmo trabalho que faz agora? O seu trabalho é uma parte da sua identidade e uma forma de se sentir realizado e feliz? Se respondeu que sim a todas estas perguntas, faça o favor de não continuar a ler este artigo. Continue como está e contagie os outros, as organizações precisam de si.

Se, por outro lado, o leitor é daqueles que à sexta-feira suspira de alívio por terminar a semana, reza para que o fim-de-semana dure uma eternidade e ao domingo à noite sente aquela “febre” acompanhada de uma pequena angústia que murmura baixinho “amanhã lá tenho que ir outra vez”, este artigo pode ser-lhe útil.

Há anos que estudo a excelência humana, ou como podemos nos superar adquirindo competências que nos ajudem a atingir os objectivos pessoais e profissionais. Esta é uma abordagem fascinante e com bastante aceitação nas organizações. Tenho reparado, no entanto, que as mesmas organizações que buscam o alto desempenho e a excelência nem sempre promovem, e aceitam, nesse caminho a felicidade dos seus colaboradores.

Parece-me que um conjunto de crenças limitadoras leva as lideranças, e a nós próprios, a associar o trabalho bem feito à pressão e ao desconforto, como se o prazer fosse incompatível com a disciplina e com o foco nas tarefas. Instituiu-se que a própria ideia de felicidade pode ser um assunto “lamechas”, que abre caminho ao facilitismo e ao bem-estar egoísta e individual em detrimento dos interesses das equipas e das organizações. Para piorar as coisas, nesta época de crise, as lideranças preocupam-se mais em reparar os danos do que em desenvolver os seus colaboradores e estes vivem mais preocupados em manter o seu posto de trabalho do que em explorar o seu potencial criativo.

Diz Arménio Rego, num artigo ao Diário de Noticias: ‘Trabalhar numa organização pode ser um travão às potencialidades individuais ou, pelo contrário, um espaço de superação individual e de desenvolvimento de forças virtuosas como a sabedoria, a coragem, o amor, a justiça e a temperança. Trabalhar em organizações deflagradoras de experiências negativas não gera apenas custos laborais. Também degrada a vida pessoal e a familiar. Uma pessoa que vive situações laborais intensas de medo ou stress pode não ser capaz de afastar da sua vida privada esses sentimentos. Essas situações podem decorrer da inadaptação à função, da decepção com a carreira, de uma liderança tóxica ou, globalmente, de um clima organizacional cínico e "doentio". Os efeitos podem ser a fadiga, a preocupação, a irritabilidade e diversas doenças cardiovasculares ou endocrinológicas.

Distintamente, uma vida de trabalho saudável promove uma vida integralmente sã. Nas organizações em que vigora a gestão positiva há equilíbrio entre as necessidades económicas e as práticas de um colectivo social saudável: encorajamento aos mais fracos, recompensa da lealdade, estímulo da competição justa, gestão apropriada do stress. A gestão positiva origina, pois, organizações com dinâmicas sociais saudáveis.

(...) Incentivar virtudes, respeitar a dignidade humana, prezar a excelência, velar pela busca de felicidade, promover a cooperação e a confiança – eis aspectos que poderão gerar consequências desejáveis nos indivíduos e nas organizações. Os efeitos da positividade organizacional podem mesmo transcorrer para o exterior – gerando impacto positivo na satisfação dos clientes e na comunidade circundante’.

É pois possível – e desejável – associar a excelência e o alto desempenho à felicidade. Recentes estudos na universidade da Califórnia demonstram que as pessoas mais felizes tendem a ganhar mais dinheiro, a serem melhor sucedidas e a terem uma vida mais longa e saudável. Se observar as pessoas que se destacam em qualquer área de actividade vai reparar que todas elas têm um profundo prazer nas suas actividades. Numa entrevista recente ao jornal Público, o cineasta Manoel de Oliveira, que com cem anos de idade continua a realizar um filme por ano e a estar presente nos principais festivais de cinema europeus, dizia: ‘Eu descanso quando estou a filmar, as chatices acontecem é fora do trabalho’. Torna-se fácil descobrir um dos segredos da sua vitalidade...


2. A felicidade não é apenas um alívio


No passado cometi o maior pecado que um homem pode cometer:
não fui feliz.

Jorge Luís Borges


Venho de uma família humilde e de baixas habilitações. Os meus pais vieram da “aldeia” para a cidade “sem nada” e, com trabalho árduo e muita poupança, passaram de empregados a proprietários de um restaurante. Fui criado num ambiente em que a dedicação ao trabalho, a orientação para o cliente e o esforço eram a norma, uma vez que o estabelecimento estava aberto das 9h às 2h todos os dias do ano, excepto na noite de Natal, e era, por isso, também a nossa casa. Nesse ambiente, o bem-estar era o menos importante, o mais importante era ter clientes suficientes para pagar aos fornecedores, aos empregados e para a educação dos filhos. Lembro-me que os momentos de maior “felicidade” eram vividos ao domingo à noite quando já tinha passado o fim-de-semana, habitualmente com grande afluência de clientes, e se aproximava a segunda-feira, um dia de trabalho tranquilo, e um dia de escola para mim. A felicidade era o alívio.... Até chegar o fim-de-semana seguinte.

Hoje os filhos já saíram de casa e a situação económica dos meus pais é estável e confortável, no entanto quando os visito, no seu mais recente restaurante, continua o mesmo clima de esforço, sacrifício e trabalho árduo no ar. Quando dedicamos uma vida inteira a um padrão de crenças e a determinados hábitos torna-se muito difícil mudar...

Mas é possível! Não com receitas fáceis, gurus milagrosos ou powerpoints musicados a circular na internet, mas com vontade de mudar a perspectiva e treino de novos hábitos. Isto faz-me pensar em Albert Camus quando afirmou que ‘o heroísmo de pouco vale, a felicidade é mais difícil’. Ela é seguramente mais do que um alívio no fim de um trabalho bem feito. Pode ser encontrada no próprio acto de trabalhar.

Em 1999 foi apresentado o Manifesto da Psicologia Positiva por Martin Seligman, caracterizando este ramo da psicologia como o ‘estudo científico do funcionamento humano óptimo’. Tem como objectivo descobrir e promover os factores que permitem aos indivíduos e às organizações prosperarem, em vez de colocar a ênfase na doença e no distúrbio, como sempre fez a psicologia tradicional. Ou seja, o estudo da felicidade, para melhorar a qualidade das nossas vidas, passou a ter uma base científica e deixou de estar restrito aos livros de literatura pop e de auto-ajuda. Não é função da psicologia positiva dizer às pessoas que devem ser mais optimistas, ou mais espirituais, ou mais simpáticas e bem-humoradas; a sua função é antes descrever as consequências destas características. Aquilo que cada um fizer com essa informação depende dos seus próprios valores e objectivos.

O curso mais popular da melhor universidade do mundo, Harvard, é sobre psicologia positiva. Todos os anos mais de 1000 alunos, entre eles centenas de executivos, inscrevem-se no curso do jovem filósofo e psicólogo Tal Ben-Shahar para aprenderem técnicas que lhes permitam encontrar congruência, prazer e significado na corrida diária e sentirem-se, além de bem sucedidos, felizes. Afinal de contas, parece que a felicidade ajuda ao sucesso e o sucesso não é outra coisa, senão a felicidade....

A boa notícia é que podemos efectivamente, se quisermos, tornarmo-nos mais felizes. Apesar de apenas cada um poder saber o que é a felicidade para si próprio, já que ela será sempre subjectiva, tem se verificado como padrão que as pessoas mais felizes experimentam no seu dia-a-dia mais emoções positivas do que negativas. A busca da felicidade no trabalho poderá ser, afinal, esta conquista.

Segundo Sonja Lyubomirsky, professora na universidade da Califórnia e autora do livro The How of Happiness, a felicidade depende em 50% da herança genética; em 10% das circunstâncias da vida, tais como o local onde vivemos, quanto dinheiro ganhamos ou o aspecto físico; e em 40% da nossa atitude, o que pensamos e o que fazemos. Ora, é operando nestes 40% que poderemos aumentar os nossos índices de satisfação e bem-estar para maximizar a nossa relação com o trabalho e com os outros. Vem assim comprovar-se a proposta de Aristóteles quando afirmou que a felicidade depende de nós e a de Abraham Lincoln ao intuir que ‘a maior parte das pessoas é tão feliz quanto decide ser’.
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3. Entre o Prazer e o Significado

A penincilina cura os homens, mas é o vinho que os torna felizes.

Alexander Fleming


Uma coisa ínfima com significado vale mais do que
algo sublime em que o significado esteja ausente.

Carl Yung

Encontrar na nossa vida actividades que nos tragam simultaneamente benefícios presentes (prazer) e benefícios futuros (significado) parece ser uma das chaves para uma maior felicidade.

Uma actividade profissional em que apenas nos preocupamos com o conforto momentâneo não é compatível com a nossa necessidade humana de encontrarmos um sentido para as nossas acções e a médio prazo deixa de trazer bem-estar porque o próprio prazer se banaliza e esgota; por outro lado um trabalho em que estamos constantemente a correr em busca de um benefício futuro, mas em que não vivemos com agrado e satisfação o momento presente, além de ser esgotante, é contraditório, pois não é boa ideia perder os valores que se quer atingir no percurso para os conquistar.

Depois existem aqueles que já desistiram, que não encontram no seu trabalho nem agrado nem propósito e se deixam andar acomodados num mal-estar, infelizmente contagiante para os outros, de declínio, de ressentimento, de incapacidade de avançar, de paralisia e bloqueio. Chamaremos a estes niilistas.

Diz Tal Bem-Shahar no seu livro Happier: ‘Defino felicidade como a experiência global do prazer e do significado. Uma pessoa feliz goza de emoções positivas e ao mesmo tempo vê a sua vida como tendo um objectivo em vista. A ilusão do competidor desenfreado é pensar que atingir um destino futuro lhe irá trazer uma felicidade duradoura. A ilusão do hedonista é a de que apenas a viagem é importante. O niilista, tendo desistido tanto do destino como da viagem, está desiludido com a vida. O competidor desenfreado transforma-se num escravo do futuro; o hedonista num escravo do momento; o niilista num escravo do passado.

Atingir a felicidade duradoura exige que apreciemos a viagem na nossa rota em direcção a um destino que consideramos importante. A felicidade não é chegarmos ao cume da montanha nem escalarmos sem rumo. A felicidade é a experiência de escalar até ao cume’.

No seu livro O Medo, o filósofo José António Marina partilha connosco esta abordagem: ‘Em muitas ocasiões afirmei que a nossa procura da felicidade é frequentemente dilacerante, porque somos movidos por dois desejos contraditórios: o bem-estar e a superação.
Precisamos de estar confortáveis e precisamos de criar alguma coisa de que nos sintamos orgulhosos, e pelo qual nos sintamos reconhecidos. Uma actividade que dê um sentido à nossa existência, por muito ilusório que esse sentido seja. Temos, pois, que harmonizar desejos contraditórios. Precisamos de construir a casa e descansar nela. Precisamos estar refugiados no porto e a navegar. Agora posso completar a descrição. Aspiramos a fugir da angústia e a enfrentá-la´.

Desafio o leitor a reflectir sobre a sua relação com o seu trabalho: está no quadrante dos niilistas, isto é, não encontra nem prazer, nem orgulho nas suas actividades profissionais actuais? Ou situa-se na zona dos hedonistas, o seu trabalho dá-lhe prazer e mantêm-no no seu espaço de conforto, mas não encontra nele nada que lhe traga benefícios futuros e de que se orgulhe? Ou será que faz parte do grupo dos corredores, está é preocupado em ganhar o máximo de dinheiro, ser promovido ou ir para um emprego melhor, “mudar o mundo”, superar-se constantemente e ser o melhor nem que tenha que passar os dias num tormento de desmotivação a fazer algo de que na verdade não gosta?

Se aquilo que pretende efectivamente é a excelência e destacar-se na sua actividade, pense, antes de mais, no que poderá fazer para ter o prazer na viagem e o cume bem visível. Para isso, convém que o seu trabalho esteja na resposta a três perguntas: o que é que me traz significado? O que é que eu gosto de fazer? No que é que eu sou competente?


4. Obrigado!

Os infelizes são ingratos; isso faz parte da infelicidade deles.

Victor Hugo

Na minha experiência de formador em empresas, tive a oportunidade de conhecer pessoas felizes e infelizes nas suas actividades. Parece-me que as infelizes nunca estão satisfeitas com o seu trabalho, nem com a chefias, nem com as condições, nem com a remuneração, nem com os colegas, nem com trânsito, nem com o almoço, nem com o horário, nem com a chuva, nem com o sol, nem com... e esta lista nunca mais acaba. O mais provável é que quando forem para outra organização fiquem infelizes com outras coisas. Não adianta mudar para outro lado se levamos dentro de nós a causa do problema.

É obvio que a insatisfação e a inquietação são fundamentais para evoluirmos e criarmos, mas nesse processo é fundamental estarmos gratos por aquilo que a cada momento nos é proporcionado pela realidade. Parece que precisamos constantemente de perder as coisas para as valorizarmos e depois dizermos algo como “afinal, naquela altura é que eu era feliz”...

Os estudos levados a cabo por Robert Emmons, da Universidade da Califórnia, demonstram que as pessoas que tinham um hábito de manter um momento diário ou semanal para expressarem, a si ou aos outros, gratidão pelos acontecimentos e coisas positivas que iam acontecendo tendiam a tornar-se mais empáticos, mais optimistas e mais persistentes na realização dos seus objectivos, pois valorizavam adequadamente os pequenos êxitos de que são feitos os grandes sucessos, em vez de concentrarem a sua energia nos obstáculos e em queixas.

Tudo isto implica a aceitação do Eu e a coragem de se afirmar em vez de estar constantemente a querer ser uma outra coisa. Para Gandhi, felicidade era o momento em que aquilo que pensamos, aquilo que dizemos e aquilo que somos está em harmonia. Dificilmente se poderá ser feliz se estiver sempre a representar um papel, seja na vida, ou até mesmo no cinema. Uma das lições mais valiosas na minha formação de actor de cinema foi a percepção de que quanto mais verdadeiro era em frente à câmara mais impacto tinha no espectador. Quanto mais representava, querendo forçar um resultado que não era sentido e sem harmonia com o que sou, menos impacto e mais cansaço obtinha.

Aceitarmo-nos e estarmos gratos pelo que somos ajuda à felicidade e à excelência como nos descreve Arthur Miller num belíssimo texto: ‘Às vezes penso que se fosse uma magnólia quereria ser uma laranjeira, se fosse uma águia quereria ser um cavalo ou se fosse quadro quereria ser uma fotografia. Esqueço-me que devo ser o que sou. Pela evidência de ser o único que tenho e posso ser e, porque, só quando gostar disso é que posso tocar a felicidade e passá-la.
Fico a pensar que perdemos demasiado tempo em querer dar laranjas, em galopar velozmente ou em ser o flash de um instante supremo. Quando, na verdade, o que podemos fazer é chegar a dar muitas e belas flores, voar cada vez melhor ou tornarmo-nos até num Rembrandt.
Cada qual deve acabar por pegar na própria vida nos braços e beijá-la'.

Fazer a defesa da felicidade no alto desempenho não tem a ver com trabalhar menos ou com um decréscimo de dedicação, como julgam alguns, mas antes trabalhar mais, ou mais intensamente, nas actividade certas – aquelas que são a fonte de benefícios presentes e futuros.

No fundo, ser feliz é, como diz Tal Ben Sahar, aceitar que a vida é isto – o dia-a-dia, o banal, os pormenores do mosaico. Temos uma vida feliz quando retiramos prazer e significado da companhia daqueles de quem gostamos, da aprendizagem de algo novo, ou do empenho que dedicamos a um projecto no emprego. Afinal, parece que é só isto...

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