Empreendedorismo e Arte (Entrevista)
Porque o curso de direito? Alguma vez chegaste a exercer?
Quando era adolescente já tinha
um lado, um pouco “rebelde”, que queria intervir na sociedade para ajudar a
mudar o que entendia que estava mal. Pareceu-me que ter uma formação jurídica
me iria ser útil para perceber o “sistema” e poder intervir nele por dentro;
Por outro lado, uma vez que cresci a ver cinema, confesso que alguns filmes de
tribunal clássicos de Hollywood, nos quais os advogados surgem como figuras
carismáticas e oradores impactantes, também me influenciaram…
Assim, fiz o curso e ainda exerci
durante o estágio. No final do estágio, o apelo das artes e do desenvolvimento pessoal
foi mais forte e suspendi a minha atividade como advogado, para poder
dedicar-me inteiramente às minhas atividades relacionadas com a criatividade e
com a formação.
De qualquer das formas, reconheço
hoje que o curso de direito foi de grande utilidade, não tanto pelos conteúdos,
uma vez que não o aplico, mas pelos processos cognitivos e disciplina nos métodos
de estudo e de trabalho que tive de desenvolver ao longo desses cinco anos de
licenciatura e dois de estágio.
Quando sentiste o apelo pelas artes, nomeadamente pelo teatro?
Desde sempre que sinto uma inclinação
para as artes visuais e performativas. Passava horas a ler banda desenhada e a
desenhar quando era criança, depois descobri o cinema e tornei-me cinéfilo e,
já na escola secundária, comecei a fazer teatro. Depois, enquanto era estudante
de direito, fiz o curso profissional de representação da Seiva Trupe (no início
do anos noventa era o único curso de teatro no Porto) e atuei em algumas peças.
Como foi o percurso profissional?
Ainda durante o estágio de
advocacia, tive a oportunidade de frequentar um curso longo, de cerca de 1200
horas, de psicopedagogia de adultos, nos quais descobri, entre outros, aspetos
da psicologia da aprendizagem, liderança de equipas, métodos e técnicas pedagógicas
e aprendi a desenhar planos de formação. Nessa altura fiquei entusiasmado com a
ideia de ser formador e comecei a criar cursos nos quais relacionava as técnicas
teatrais com o desenvolvimento pessoal.
Fui dos primeiros formadores em
Portugal a dar cursos de Criatividade e Resolução Criativa de Problemas,
relacionando este tema com a gestão emocional e com a expressão dramática. Isso
fez com que ganhasse algum nome no meio e fosse angariando clientes.
Entretanto, fiz o mestrado sobre
Cinema Formativo, criei a minha própria marca, e sou há dezoito anos formador
freelancer nesta área das “Soft Skills”. Ao longo deste período nunca parei de
frequentar cursos artísticos e comportamentais e de relacionar os temas,
criando programas que pretendo que sejam inovadores e úteis para os meus
clientes.
Foi claro desde início a interligação das técnicas do teatro e a sua
aplicabilidade em contexto empresarial?
Sim, de forma intuitiva. Isto é,
eu não tinha dados racionais que demonstrassem que a aceitação seria boa, no
entanto, o impacto que teve em mim foi tão forte, que eu não via outra forma de
abordar os temas de formação que dou. Não faz sentido, por exemplo, querer
treinar competências comunicacionais usando apenas o método expositivo e diapositivos.
É necessário criar ambientes formativos desafiadores que mobilizem não só a
mente, mas também as emoções e o corpo dos participantes para que a experiência
seja mais intensa, impactante, e logo promova mudanças verdadeiras. Ninguém
muda comportamentos apenas a pensar. O difícil é criar e implementar novos hábitos
e, para isso, é preciso sair da zona de conforto dos velhos hábitos que já não
funcionam. O espaço da formação deve ser um espelho para tomar consciência desses
velhos hábitos e um abrir de portas para as novas possibilidades. As técnicas
ativas, nomeadamente as teatrais, são excelentes para esse efeito.
De que forma as técnicas de improvisação teatral podem potenciar o espírito empreendedor?
Improvisar no teatro é estar
atento, aqui e agora, e tomar decisões. É na verdade, aproveitar as
oportunidades que o acaso no dá. Grandes feitos criativos são resultado do
acaso, ou, usando uma palavra de que gosto muito, da “serendipidade”, a arte de
fazer descobertas felizes. É necessário estar atento e preparado para as coisas
boas que o acaso nos pode dar e, para isso, é necessário, ter a coragem de
abandonar os planos, quando eles já não nos servem.
Um empreendedor deve ter esta
predisposição para improvisar, estar tranquilo na ambiguidade e manter-se focado
no aqui e agora para potenciar as oportunidades que surgem em cada momento para
o seu negócio. Deve também ter a resiliência de perceber como é que um fracasso
pode na verdade ser “apenas” um bom feedback para mudar de caminho e persistir
na “cena” até arrancar o aplauso do público.
Tive o prazer de dar aulas de
técnicas de improvisação teatral no Mestrado em Inovação e Empreendedorismo Tecnológico
da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e guardo excelentes
recordações da recetividade dos alunos. No início estranhavam a exposição
pessoal desta abordagem, mas rapidamente aderiam aos jogos de forma
entusiasmada, reconhecendo a importância deste treino prático e, acima de tudo,
dos insights retirados para a sua
vida enquanto empreendedores.
Nasce-se empreendedor, ou aprende-se a ser empreendedor?
Ambos. Creio que como nas outras
áreas, há uma predisposição genética e há uma parte que é influenciada pelo
meio e pela aprendizagem. No meu caso, nasci numa família humilde que “subiu a
pulso” com um negócio na restauração e isso de alguma forma também me
influenciou. Nunca me imaginei a trabalhar por conta de outrem. Gosto da
independência e da liberdade de criar os meus projetos e decidir em conjunto
com os meus clientes. Gosto de ser “parceiro” e não “empregado”. Gosto de fazer
acontecer em conjunto e não apenas de obedecer, mesmo tendo de correr o risco
da insegurança de ser freelancer. Há, de facto, um lado que nasce connosco e
outro que é resultado da educação e da observação das pessoas que admiramos e
que nos influenciam enquanto crescemos.
Hoje uma área de atuação do Vitor é a felicidade. De que forma esta é
importante em contexto empresarial?
A psicologia positiva, ou o estudo da
felicidade humana, é um dos cursos que mais estou a dar nestes últimos anos. É
um assunto fascinante e que está ter grande aceitação nas empresas. A
investigação demonstra que as pessoas felizes são mais saudáveis, vivem mais
tempo, são mais populares e são melhor sucedidas. Uma pessoa com o cérebro positivo
tende a ser 31 por cento mais produtiva do que uma pessoa com o cérebro
negativo, em stresse ou neutro. As empresas começam a perceber que o bem-estar
dos colaboradores e a produtividade não são afinal incompatíveis, antes pelo contrário!
Se criarmos um ambiente emocional positivo, de foco nas forças dos
colaboradores, o compromisso aumenta e os resultados aparecem.
Quando começo a falar de técnicas
para aumentar o bem-estar, dos hábitos que aumentam a felicidade e das
estratégias para lidar com pessoas negativas ou “tóxicas”, reparo que a atenção
dos formandos aumenta imediatamente. As pessoas querem e precisam deste tema no
atual clima emocional das empresas em Portugal.
O Vitor é um empreendedor. Que conselhos daria a quem deseja empreender
atualmente?
É preciso fazer: arriscar,
aprender, adaptar e continuar. São cansativos os empreendedores que pensam
demais antes de dar qualquer passo. Há um lado “louco” no
empreendedorismo, que aproxima os empreendedores dos artistas. O conselho que
posso dar é que avancem quando tiverem a certeza que acreditam na sua ideia,
que ela vai melhorar a vida de alguém, e que estão dispostos a trabalhar
arduamente para encontrar as ferramentas e os apoios para a tornar realidade.
Um empreendedor que seja um exemplo inspirador para ti?
É difícil escolher apenas um,
pois para mim são empreendedores não só os gestores, mas também, num sentido
mais lato, os artistas que tem a coragem de deixar uma marca pessoal com a sua
obra, muitas vezes contra a opinião generalizada. É óbvio que os que acabam por
ter sucesso são mais marcantes, mas devemos também olhar para a coragem e
aprender com os que fracassaram.
Admiro todos os que viram o que
os outros não viram, que tiveram a coragem de seguir a sua intuição e avançar,
que o fizeram com a intenção de melhorar o mundo, e que nesse percurso foram
sempre genuínos e honestos com quem os rodeia.